Sou marketeer e mãe de uma linda criança Alfa o que me torna não a mãe perfeita/fada do lar, mas sim numa educadora-investigadora. É um pouco dessa investigação (que me levou a ver vídeos de sanitas com cabeças cantantes) que partilho neste artigo. Esta é a primeira geração 100% nativa digital do mundo! Altamente conectados, prometem não ter precedentes em termos de diversidade cultural e social. São, já hoje, uma das gerações mais influentes!
Quem são as crianças da Geração Alfa?
Eu fujo um pouco à regra porque devia ter uma filha Geração Z e não Alfa, mas isso será estória para outro artigo.
De modo geral, os Alfa são filhos dos Millennials (atualmente com idades compreendidas entre os 28 e os 44 anos) e futuros pais daquela que se designará de Geração Gama, e que ainda está por nascer.
A Geração Alfa (ou Gen Alpha como é comummente designada) é composta por crianças que nasceram entre os anos 2011 e 2025, sendo que os Alfas mais velhos vão fazer 14 anos em 2025. Caracteriza-se, principalmente, por ser a primeira geração 100% nativa digital. Para os Alfas, “chupeta” também significa smartphone, tablet ou qualquer outro dispositivo móvel conectado à internet. Desde que nascem convivem com meios digitais multissensoriais: vídeos, colunas inteligentes, socialização através de jogos online, FaceTime, voz para texto, podcasts e muito mais. Esta imersão tecnológica, desde tenra idade, tem moldado esta geração de tal forma que se prevê que será a mais diversificada e fluida em termos geográficos, sociais e culturais.
Diz-me que conteúdo vês, dir-te-ei quem és!
Quando a minha filha quer ver vídeos pergunta: “Mãe, posso ver vídeos no tablet?”. Isto significa uma de duas coisas: Youtube Kids ou Netflix.
A maioria dos conteúdos consumidos pelas crianças Alfa provém de plataformas de streaming, redes sociais e jogos online. As preferências recaem sobre influenciadores digitais, vídeos curtos e conteúdos interativos. Cá em casa, por exemplo, fazemos desafios de pintura onde não falta uma gravação em modo influencer de Youtube. Antes de começar a pintar, há que dar o mote para a câmara: “Olá! Estou aqui com a minha mãe e vamos fazer um desafio de pintura com duas cores…”, afirma a Simone enquanto mostra os lápis de cor para a câmara do tablet.
Estas crianças valorizam a experiência imediata e à medida. Eles não são consumidores: são co-criadores. Observaram a geração anterior, dos irmãos e primos mais velhos (Geração Z), a evoluir nesta questão de colocar a tecnologia ao serviço da personalização das experiências e agora elevam a fasquia para um nível sem precedentes.
Colocam o seu cunho pessoal em tudo: desde criar pulseiras da amizade com significado único, a explorar mundos no Roblox, ou a participar em fandoms (micro-comunidade que partilham um interesse comum por um determinado tema, seja série, filme, livro, jogo ou celebridade). A tecnologia dá-lhes o poder de construir laços nestas comunidades digitais, personalizar produtos, criar cenários e reinventar jogos, bem como editar vídeos para os tornar singulares. Esta co-criação de produtos e experiências, torna-os criadores de tendências de mercado. As preferências das crianças Alfa influenciam a popularidade de novos jogos, séries, plataformas de entretenimento e até como as marcas interagem nas redes sociais. Exemplo disso é o fenómeno “Skibidi Toilet”: a primeira série narrativa a ser contada inteiramente por meio de vídeos curtos (60 segundos ou menos), viralizada graças à geração Alfa que o The Washington Post, descreve, em julho deste ano, como um dos mais rentáveis franchisings atualmente em Hollywood.
“The new moneymaker”
No outro dia perguntei à minha filha: “Amor, de 1 a 10 (sendo 1 nada e 10 muito) quanto é que tu consideras que a tua opinião é importante quando os pais decidem comprar coisas para casa, comer fora, passear ou viajar”. A resposta da Alfa de serviço foi: “Mil mãe, miiiiilllllll!!!”.
A verdade é que a educação desta geração segue um modelo de “gentle parenting”, onde os pensamentos e sentimentos das crianças são realmente valorizados e tidos em conta. Isto faz que crianças como a minha filha de 6 anos, tenham um papel crucial nas decisões de compra da família, uma vez que os pais, ao ouvirem os seus filhos, são influenciados pelos pedidos e preferências destes. E isto acontece em relação às mais diversas áreas de consumo. O gráfico abaixo exemplifica esta ideia. No outro dia, depois do jantar, apresentei um desafio: “Quão importante é a opinião da Simone quando… “ As perguntas foram dirigidas à criança e ao seu pai sendo que 1 remetia para nada e 10 para muito.
Mas as crianças Alfa não são apenas influenciadoras dentro do seu núcleo familiar. O marketing de influenciadores desempenha um papel importante, dado que muitas crianças seguem e confiam nas opiniões de influenciadores digitais, o que afeta diretamente como compreendem as marcas e os produtos. Principalmente porque falamos de influenciadores digitais que são Gen Alpha! No artigo da Catherine Driscoll, no website da WARC pode-se ler: “O estudo da Insights Family revelou que a Geração Alfa está a emergir rapidamente como a geração mais independente e financeiramente consciente. Na região EMEA, 31% dos jovens entre os 10 e os 14 anos afirmam ganhar o seu próprio dinheiro, um aumento de 51% em apenas dois anos. Esta tendência verifica-se também entre os mais novos, com 28% das crianças entre os 6 e os 9 anos a declarar que também obtêm rendimentos próprios.”.
Este artigo, levou-me a procurar nomes!
Um exemplo internacional que ilustra esse tipo de fenómeno é o canal “Ryan’s World” no YouTube. Ryan Kaji é um dos maiores influenciadores da geração Alfa. Ficou famoso aos 3 anos com as suas avaliações de brinquedos. O canal de Youtube de Ryan tem 3 mil vídeos, 37,8 milhões de subscritores e a sua fortuna está avaliada em mais de 100 milhões de dólares. Este verão estreou o filme “Ryan`s World Movie: Titan Universe Adventure” . Este é o primeiro filme desenvolvido integralmente por criadores de conteúdos do YouTube a ter distribuição alargada nas salas de cinema!
E a semiótica no meio disto tudo?
Confesso que não foi a disciplina de eleição na faculdade. Contudo, nos dias que correm, ao observar a minha filha, muitas vezes recordo-me de Pierce e da sua teoria dos signos e de como a evolução tecnológica nos permite reiterar as afirmações do autor: “A symbol, once in being, spreads among the people. In use and in experience, its meaning grows.” (in, Collected Papers of Charles Sanders Peirce, Vol. 2: Elements of Logic)
Esta natureza mutável dos signos é para mim paradigmática na geração Alfa quando falamos dos significantes Tempo, Espaço e Escolha. O importante a reter é que se queremos compreender inteiramente esta geração, temos que acompanhar não só as suas preferências, mas acima de tudo, a forma como percecionam o mundo.
Para eles, o espaço não se divide em físico e digital ou virtual. Tudo é phygital. O espaço expande-se para o digital e é compreendido sem limites geográficos. O Espaço da brincadeira é o quarto em videochamada com a amiga. O espaço do concerto é o sofá da sala enquanto salto com os meus amigos num concerto no Metaverso.
Também o tempo perde a sua linearidade e deixa de ser uma mera medida cronológica. O tempo agora é função e emoção. Das redes sociais, aos serviços de streaming, tudo acontece em “tempo real”. A geração Alfa vive a instantaneidade dos acontecimentos, num ciclo de necessidades e expectativas que se retroalimenta.
Por sua vez, o poder da tecnologia e a personalização oferecida pelos meios digitais faz com que o “Escolher” seja uma opção ilimitada, uma experiência imersiva e controlada pelo utilizador. No “Espaço” e com o “Tempo” também à sua disposição, a plêiade de escolhas ao dispor desta geração é infinita. Escolher passa a ser um ato de afirmação, de tornar singular e “meu”.
A conclusão possível
Seria redundante para esta marketeer/mãe/educadora/investigadora dizer algo como: “Concluímos que a influência da Geração Alfa nas vendas de produtos e na forma como as marcas se posicionam no mercado é já uma realidade. Consequentemente, para as marcas se manterem relevantes, compreender e acompanhar o comportamento/pensamento da Geração Alfa é essencial”
Mas enquanto membro da Geração X que “se fez” na rua, alerto para o seguinte: as marcas, ao mesmo tempo que estão atentas às gerações mais novas, não podem descurar o desejo dos pais destas gerações. Para as mães e pais da minha geração (e geração seguinte) é muito importante que os seus filhos tenham a oportunidade de passar tempo ao ar livre para brincar e explorar de forma autónoma. Basta uma rápida pesquisa ou uma conversa de café para perceber que começam a surgir movimentos parentais que obrigam as escolas a proibir o uso de smartphones dentro do estabelecimento de ensino ou investigadores e pedagogos que defendem uma maior autonomia e liberdade das crianças, incentivando a que estas comecem bem mais cedo a ir ao supermercado sozinhas, ter a chave de casa ou a caminhar sem a supervisão de um adulto até à escola.
Dito isto, a grande questão para as marcas é: como traçar uma estratégia de comunicação que consiga conciliar gerações com características e desejos tão diferentes?
Nota sobre as imagens deste artigo:
1) O desenho com as 4 imagens desenhadas representa o cérebro da minha filha Simone e “todas as coisas que ela tem lá dentro”. É um desenho digital criado no Ipad.
2) As imagens de “cartoons anime” foram geradas por Inteligência Artificial, segundo comandos da Simone e posteriormente montadas por ela em aplicação online.